sábado, 7 de agosto de 2010

Senhora de Luar


Há muito tempo atrás comecei uma das minhas muitas histórias interminadas, e há muito tempo atrás postei a primeira parte de Senhora de Luar, uma pequena empolgação minha do fim do ensino médio.

Na época poucos gostaram do que leram, desanimei-me e não mais mostrei ao mundo o que seria a continuação daquela nova aventura. Digo apenas uma palavra então:

Mudança.

E se me permitem, digo outra:

Motivação.

Meu estranho mundinho Insano deve me odiar, pois no ano que ele mais esperava postagens eu o abandonei. E não mais fiz promessas de retorno. Afinal, eu nunca as cumpro.

Mas eis que eu um amigo, um dos novos, leu Senhora de Luar e gostou do que escrevi. E devo admitir, um elogio sempre me derrete. Essa é minha fraqueza.

Portanto aì vai a segunda parte do primeiro capítulo de uma aventura que comecei num dia em que minha mente voava entre amigos e amores, e entre os pinheiros e eucaliptos pelos quais nós nos divertíamos.



Capítulo 1
O Senhor do Sétimo raio
parte 2


A luz do sol ofuscou os olhos do menino que logo os tampou com a palma da mão virada para cima.
Sua cabeça parecia rodar. A última coisa da qual ele se recordava era do fogo consumindo tudo ao seu redor e dos gritos de Jaqueline que pareciam cada vez mais distantes.
O medo então o envolveu.
Por um instante ele se acreditou morto. Mas então Hórus sentiu o calor do sol acariciar sua face, sentiu a grama espetando sob seus braços, escutou o som de água corrente que parecia estar muito perto, e acima de tudo, o que lhe deu certeza de que a vida ainda pulsava dentro dele era a dor latejante em seu joelho esquerdo. Afinal, a dor é a mais viva das sensações.
Lentamente ele se sentou. Tentando se acostumar com a claridade piscou várias vezes franzindo o cenho.
O garoto estava num vasto campo de grama alta e com poucas árvores ao redor; como ele presumira pelo som, havia um riacho de água cristalina a menos de cinqüenta metros à sua direita; altas montanhas circundavam o horizonte dos dois lados, de modo que ele se encontrava em seu vale.
Helga e Lyn Costa estavam deitadas uma ao lado da outra, como se houvessem sido arremessadas de muito longe e com violência, cada uma numa posição mais improvável.
Hórus não reconheceu o local. Decididamente eles não estavam no bosque, e nem mesmo na sua cidade, não havia montanhas naquele estado, e as poucas de seu país estavam na fronteira com as nações vizinhas, e além do mais, o sol dali era um sol de primavera ou de verão, enquanto era princípio de inverno quando ele desmaiara.
Hórus se aproximou das meninas e chamou pelos seus nomes; preguiçosamente elas despertaram e pareceram compartilhar da mesma sensação de tontura e de susto quando abriram os olhos.
- Onde estamos? – perguntou Lyn Costa, - como saímos do bosque?
- A última coisa da qual me lembro era de estar rodopiando em meio às chamas – disse Helga.
- Estou tão confuso quanto vocês duas, não me perguntem nada – exclamou Hórus. – parece que fomos retirados do bosque, mas, porque não estamos em um hospital?
- É estranho – comentou Lyn Costa analisando a paisagem – creio que devamos procurar alguém.
- Procurar alguém? Onde? – respondeu Helga secamente, apesar de ainda tonta – Você vê alguma casa por aqui, por que eu sinceramente não vejo para onde devamos ir. – o tom de Helga não era agradável, o desespero parecia ter se apoderado muito rapidamene dela. E além disso as duas meninas jamais se relacionaram muito bem.
Lyn pareceu querer responder, mas Hórus as interrompeu:
- Parem com isso vocês duas. Eu concordo com você Lyn, devemos procurar alguém, afinal, se ficarmos aqui não se sabe se alguém virá nos resgatar.
- Venci – disse Lyn Costa a Helga com seu tom insuportável. Mesmo em situações adversas as garotas não deixavam de tentar se provarem melhores do que a outra.
- Não era uma disputa – respondeu sensatamente Helga (embora quisesse ter vencido).
- Não importa, competindo comigo ou não, eu fui a vitoriosa.
- Você é patética Lyn.
- Garotas, não é momento para briguinhas idiotas, guardem seus fôlegos para uma eventual fuga. Afinal, nunca se sabe quando teremos que correr. – riu-se Hórus.
- Já que vocês dois querem tão avidamente correr por esta cidade desconhecida, digam-me, para onde pretendem ir? – perguntou Helga
- Ora, a resposta é simples. A meu ver, devemos seguir o curso desse riacho, afinal, a chance de encontrarmos civilização é maior. – respondeu Hórus estendendo o braço direito na direção da água. Havia algumas árvores em toda a extensão da torrente.
- Só um lembrete – Helga parecia contrariada – isso aqui não é um filme muito menos um desenho de aventuras. Suas soluções milagrosas não funcionarão conosco.
- Fique quieta e siga o líder – intrometeu-se Lyn Costa.
- Líder?! – revoltou-se Helga – quem o elegeu líder?
- Eu. – respondeu a outra menina.
- Eu voto em mim mesma, - protestou Helga – É um empate.
- Seu voto vai pra quem meu caro? – perguntou Lyn Costa abraçando Hórus pela cintura e acariciando-lhe a barba.
- Bem, analisando as alternativas, creio que não me resta muitas opções. Meu voto vai para mim mesmo.
- Caso encerrado, - Lyn Costa aproximou seus lábios dos de Hórus e o beijou.
- Lyn, prometo-lhe que quando chegarmos à cidade eu te apresento uma prostituta, ou melhor, um cafetão; mas por enquanto, contenha-se – ridicularizou-a Helga que estava vermelha.
Hórus riu, entretanto afastou a menina dele.
Os três seguiram o curso do riacho. O terreno ali era pedregoso e um pouco escorregadio. Para onde eles olhassem viam verde. Grama alta e umas poucas árvores de copas baixas compunham a paisagem monótona que era quebrada pelas montanhas cinza de picos brancos mais distantes.
Caminharam, caminharam e caminharam.

Decidiram descansar quando o calor tornara-se insuportável.
Pela altura do sol, Helga calculou que deveria ser por volta do meio dia, e seu estômago dizia o mesmo.
Por sorte, as árvores em volta do curso d’água eram em sua maioria frutíferas. Pararam então sob a sombra de uma frondosa macieira, colheram as frutas que estavam mais baixas e sentaram-se com os pés à margem do riacho.
Descansaram um pouco, pois já estavam caminhando há quase uma hora. Despiram-se dos seus casacos sem entretanto os dispensarem, afinal, se continuassem vagando durante a noite, uns agasalhos seriam muito úteis.
Apesar de não serem tão saborosas, as maçãs caíram-lhes como um banquete, e, após comer a quinta Hórus encostou-se no tronco de uma das árvores e adormeceu. Helga seguindo o exemplo do amigo deitou-se em seu colo e em pouco tempo estava sonhando com sua macia cama e seu quente cobertor. Apenas Lyn Costa manteve-se desperta. Havia alguns peixinhos coloridos nas pedras do rio de água limpa, podia-se ver tudo que se passava naquela fraca correnteza, e a garota se divertia brincando com eles.
O silêncio que ali pairava parecia sepulcral, não havia nenhuma ave ou inseto em muitos quilômetros. E ao contrário do que se espera de um campo de grama verde, não havia nenhum veado ou cavalo por toda aquela imensidão; nem mesmo formigas ou cupins pareciam fazer parte daquele lugar.
O céu estava irritantemente azul, não havia nuvens em toda orbe, sequer um rasgo de branco no céu, e, portanto, nenhum sinal de chuva.
O estranho era que para além das montanhas a paisagem parecia completamente distinta. Pouco além dos picos nevados podia-se ver ameaçadoras nuvens que pareciam carregadas de chuva, e, mesmo sem ter certeza, Lyn sabia que ao longo ou depois daquele vale havia vida, havia um cidade, e uma estrada que a levaria para casa, para junto de seus outros amigos que poderiam estar em qualquer lugar, até mesmo ainda presos naquele terrível bosque.
Repentinamente os pensamentos da menina foram interrompidos, suas pálpebras caíram e sua visão e audição subitamente pareceram desaparecer. O mundo girou e ela sentiu-se caindo no vazio, como se o chão houvesse se aberto sob seus pés e a imensidão escura do vácuo a dominasse. E aquilo parecia eterno, um caminho constante rumo ao nada, uma tortura sem fim, um devaneio, um sonho real

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