quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Quando morar é um privilégio, ocupar é um direito

Em tempos de Pinheiro e Cracolândia, de despejo à base de revólveres e bombas de gás lacrimogêneo, de truculência policial e de um Estado preocupado com os lucros dos bilionários, não é de se surpreender que na Universidade Estadual de Campinas a situação política não seja tão distinta.

Pichado numa das paredes externas da biblioteca de Ciências Humanas e Filosofia está a reveladora inscrição: “Universidade Elitista da Porra”. Verdade maior não poderia ser dita, e nada mais sólido e duradouro que um muro esquecido para que se possa escancarar a realidade aos estudantes universitários mais ricos do país.

Nas últimas semanas, o pacato cotidiano acadêmico sofreu um abalo oriundo da distante moradia estudantil, localizada estrategicamente a alguns quilômetros do campus universitário. Tão distante que há alunos que depois de muitos anos na Unicamp se perguntam sobre o que é a moradia estudantil. Realidade distinta a ponto de muitos concluírem seus estudos sem nunca tomarem conhecimento sobre sua localização. A Universidade consegue esconder seus pobres.

A moradia estudantil da Unicamp foi construída depois de muita luta do movimento estudantil da década de 80 que, exaustos do não-diálogo da reitoria, ocuparam por dois anos a Diretoria Acadêmica da Universidade, órgão burocrático vital para o funcionamento da instituição.

A força combativa dos estudantes do período, que ficaram conhecidos por Tabanos, originou o que hoje se conhece por PME – Programa de Moradia Estudantil da Unicamp. O acordo firmado entre reitoria e estudantes previa um número de vagas equivalente a 10% da comunidade universitária, na época 15 mil matriculados.

Hoje a Unicamp conta com mais de 30 mil alunos, e a moradia estudantil conta com 900 vagas, insuficientes já há décadas atrás. Nem mesmo a previsão inicial de construção, que era de 1500 vagas foi atendida.

O carecimento de uma maior moradia estudantil origina problemas como a ocupação irregular das casas por alunos não contemplados com a bolsa auxílio-moradia, ou seja, irregulares do ponto de vista burocrático, e que não podem pagar aluguel, e a superlotação dos quartos que abrigam até sete alunos, quando o espaço comporta apenas quatro.

Diante do silêncio da Universidade em relação aos problemas enfrentados pelos alunos de baixa renda, alguns estudantes no início do ano letivo de 2011 ocuparam a administração da moradia estudantil em exigência do cumprimento do próprio regulamento universitário. O movimento em lembrança aos reivindicadores dos anos 80 se autodenominou “Novos Tabanos”.

A reitoria logo entrou com ação judicial contra a ocupação estudantil, e o juíz Mauro Iuji Fukumoto, através da liminar 287/11 considerou legítima a ação e o ato político de se ocupar prédio público.

Segue trecho da liminar “(...) a ocupação de prédios públicos é, tradicionalmente, uma forma de protesto político, especialmente para o movimento estudantil, caracterizando-se, pois, como decorrência do direito à livre manifestação do pensamento (artigo 5º, IV, da Constituição Federal) e do direito à reunião e associação (incisos XVI e XVII do artigo 5).

Os novos tabanos respiraram, pois, um pouco de esperança que logo foi dissipada pela espada da justiça burguesa que segura uma balança que pende pende para um lado. A desocupação então ocorreu.

A tropa de choque da polícia militar invadiu a moradia estudantil munida não apenas de suas armas de disparo e cassetetes, mas principalmente carregada de uma violência simbólica capaz de dissipar movimentos políticos por todo país.

A “ordem” foi reestabelecida. A reitoria retomou o controle da moradia e as 900 vagas continuaram a não atender a demanda universitária. O prelúdio da invasão policial à USP estava dada. O ano de 2011 seria de não-diálogo.

O período letivo de 2012 está às vésperas de se iniciar, milhares de calouros chegam à cidade universitária e a demanda por casas é gigantesca. Mas não maior que a especulação imobiliária que dispara a níveis estratosféricos.

Em Barão Geraldo, o distrito no qual se localiza a Unicamp, é possível se encontrar um quarto para se alugar em uma casa por mais de R$1500,00 reais, restando, para quem tem renda baixa, buscar o auxílio da Universidade e as vagas na moradia estudantil. Como a instituição não está cumprindo plenamente seu papel social, os alunos pobres não conseguem se manter estudando e, quando conseguem, é através de “bicos”, geralmente em bares, lanchonetes e shoppings. O que acarreta num menor desempenho acadêmico.

Depois de quase dois semestres, no início do mês de fevereiro de 2012, a reitoria identificou 5 alunos como “chefes” do movimento “Novos Tabanos”, e os está punindo pela ocupação da administração da moradia:

“Acolho parcialmente o Relatório da Comissão responsável pelo Processo Disciplinar instaurado pela Portaria GR-2-2011,nos termos dos Pareceres PG-1866-2011 e 3942-2011.
Em decorrência, aplico aos discentes (...) a penalidade de 06 (seis) meses de suspensão das atividades letivas, nos termos do art.228, III do Regimento Geral da Unicamp.
Os efeitos dessa decisão se iniciam a partir da publicação deste ato.” Proc. 01P-05463-11."

É assim que a Universidade Estadual de Campinas trata as reivindicações políticas de seus alunos. Diz não ter dinheiro em caixa para ampliação do número de vagas, mas reforma praças e jardins aos moldes mais modernos, seguindo a tendência da construção do Brasil potência mundial.

Ironicamente os calouros matriculados em 2012 receberam da Universidade, junto aos panfletos acadêmicos, um folheto propagandeando um hotel residencial repleto de serviços por um aluguel de R$2.500,00. Muito distante da realidade dos alunos de baixa renda que a Unicamp sempre expõe orgulhosamente para mostrar ao país sua justiça social.

As boas vindas ao novo ano letivo são assim dadas: “Bem vindos à Unicamp, a Universidade mais elitista do país.”

O muro da biblioteca tinha razão.

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