domingo, 20 de setembro de 2009

Três Quartos - Delírios de noites febris

Diferente do que eu imaginava, algumas pessoas me pediram para dar continuidade ao meu delírio da noite anterior.
O homem estava no quarto, na soleira, entre a pálida luz do corredor e o quarto escuro, empoeirado. Àqueles que quiserem entender, recomendo a leitura da primeira parte. Àqueles que já a conhecem, apenas digo para seguirem em frente.

O homem agora está no quarto, a porta se fecha para o corredor, e o reino de papel e criatividade para ele se abre.


Três Quartos - J.P.L.Campos

II

Estava escuro. Mas havia luz; pouca é verdade.Por baixo da velha porta de madeira pintada de amarelo pelo lado de fora e mantida na sua cor original marrom-avermelhada na parte de dentro, um pálido filete de luz era filtrado. A luz tinha cor de doença, a cor dos olhos de meninos pobres, a cor de tudo o que o Homem coloca para fora quando enfermo. Era algo horrível, podia-se até mesmo sentir seu cheiro difamando o templo de papel que por ali fora erguido. E que o homem admirava.

Havia uma janela no outro extremo do quarto, e estava coberta por um grossa cortina vermelha. O homem no entanto não podia saber qual era sua cor, na realidade sequer imaginava a existência de uma cortina por ali. Ele mal se notava.

E ele permaneceu de pé. Estático. Absorvendo cada detalhe do lugar, mesmo estando mergulhado na escuridão, pois não é através dos olhos que se vê, mas sim a partir de todo o corpo. A visão atravessa cada poro da pele, eriça fios de cabelo, penetra nossas narinas, dança pelos lábios, como se um amante fosse.

Havia um certo barulho mecânico no quarto. Não chegava a ser um barulho na realidade, estava mais próximo de um sussurro, como o tic tac de um relógio que tem seu som abafado por almofadas e comprimido contra o apoio mais próximo. Sufocamos o som incessante e irritantemente penetrante de um tic tac, tic tac, tic tac, mas o que desejamos silenciar, e silenciar para sempre, não é o pequeno objeto. Não. E é isso que ouço agora, Tic tac, Tic tac, Tic tac, Tic... Os ponteiros param então.

Mas no quarto, o sussurro mecânico continua; logo a atenção do homem é desviada, havia muito mais para ver. Um cheiro de comida. Seria pizza? Ou alguma outra coisa com queijo e carne. Por que sem dúvidas havia queijo por ali. Talvez o alimento já estivesse estragado, talvez vermes vivessem ali, se espalhando por todos os cantos, e talvez se procriem loucamente até que a carne já não mais exista.

Não há apenas pedaços de pizza no quarto para os vermes, há um homem também.

Isso ele ouviu. Ou de sua mente, ou das paredes, ou quem sabe de um verme sedento e insatisfeito com os restos que cedo ou tarde chegariam ao fim.

Um leve roçar em suas pernas. Ele vestia jeans, um sujo e muito usado jeans, e mesmo vestido ele pôde sentir o que quer que fosse passando rapidamente pelo vão entre seus membros. Sentiu também o cheiro, e provou um pouco de sua essência. O cheiro não lhe era estranho, o sabor... como mel e camomila numa tarde de primavera, mas no fim, um leve sabor de graxa e terra seca. Ele conhecia esse sabor. Era um misto de sussurros, de palavras já ditas e de gritos abafados e de lágrimas fingidas.

O homem se arrepiou. Não podia controlar essas reações do seu corpo. Porém nada temia. Ele apenas estava ali, atado, no quarto escuro. Escuro. Repentinamente - ou teria sido demoradamente? - ele se lembrou de algo em seu bolso, uma coisa que carregava mas que raramente usava: seu isqueiro verde.
Depois do almoço ele costumava fumar um cigarro, mas problemas de saúde o obrigaram a abandonar o velho hábito. E ele o fez.
Entretanto preservou um antigo vício: carregar o familiar isqueiro verde no bolso esquerdo da calça.

Deslizou a mão pelo jeans e meteu-a no bolso, segurou firmemente o objeto elevando-o a altura dos olhos, mesmo que nada visse. Riscou uma, duas, três vezes, uma pequena faísca surgiu em cada uma das tentativas, e nada.
Quatro, cinco, seis. E o mundo ainda era trevas. Sete, oito, nove.

E então fez-se luz.

7 comentários:

  1. Obs: quando tu colocar muito texto, coloque pelo menos uma imagem para incentivar o pessoal a ler...

    ok===> Gostei do blog...

    Super-Sapo.blogspot.com

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  2. Legal o jeito como você escreve,
    tipo com rimas internas, mesmo na prosa.

    www.arthurmelo92.blogspot.com

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  3. Bom, infelizmente acho que essas pessoas acima não leram o texto com devida atenção,e nao chegaram nem perto de sentir sua magia. Talvez o tenham feito, mas nao conseguiram expressar, como eu, a admiração intensa pelo escrito. Pobre deles...
    João... se foi preciso uma noite de febre para que tivesse essa inspiração toda, uma coisa: morra febril. Está lindo.

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  4. curtiii. /\ concordo com o cara de cima!

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  5. Concordo com os 2 acima ^^ Você deveria escrever um livro inteiro ... Se escrever continuação me avise!

    Abraços!

    http://kultura-digital.blogspot.com/

    http://kultura-inutil.blogspot.com/

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  6. Caraaaaaaaaa *-*
    mto mto mto maneira que ficou a continuação .. aaah, sem querer pertubar muito, fica com febre de novo e escreve mais! hahahah *-*
    se escreve muito bem, eu me arrepiei com o final, sei la :" e então fez-se a luz' nossa =x
    adorei mesmo, mergulhei no texto, me senti alí, junto do homem, olhando tudo por fora...
    quando e se continuar [ torço p. que isso aconteça!] me avisa por favor?
    Beijãoo!

    http://www.nadaaverpontocom.blogspot.com/

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  7. Riqueza de detalhes fazem a história ficar cada vez mais interessante e com muito suspense!
    Adoreiii ;D

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