segunda-feira, 22 de março de 2010

A verdade é um espelho que se quebrou, e cada um pegou um pedaço

Há poucos dias tive uma conversa com um amigo sobre diferenças culturais que me deixou muito inquieto. A ponto de levar a discussão a outros círculos de amizade, e o assunto não foi menos polêmico.

Tudo começou quando li uma reportagem que tratava da proibição da homossexualidade em Uganda. Sim, proibição. Aquele indivíduo que fosse incriminado sofreria duras penas, até mesmo de morte.

Para nós ocidentais, e especialmente brasileiros, isso soa como algo terrível, que fere os principais direitos humanos, é um assunto particular, e deve ser tratado como tal. Logo, nos vem à mente frases como "A África realmente tem sociedades atrasadas". E essa frase ficou ecoando na minha cabeça por dias.

A discussão ainda levantou outros tópicos como por exemplo, a mutilação das meninas de certas regiões africanas, que jamais saberão o que é o prazer sexual. Atos como esse só reforçam a ideia de que aquele povo sofre as dores de um grande atraso, socio-cultural, que impede que a felicidade e a igualdade reine por aquelas terras.

Mas então me vem a pergunta: Quem somos nós para afirmar que a África tem sociedades atrasadas? E se tiver, qual é a sociedade evoluída que vai avaliá-la? A nossa?

Por mais que eu defenda os direitos dos homossexuais, das mulheres, e de qualquer outro ser humano, creio que devo ser mais cuidadoso ao avaliar certos casos. Se Uganda quer proibir os relacionamentos homossexuais, certamente há um porquê, uma justificativa, e uma razão pela qual o povo daquele país julga relações com pessoas do mesmo sexo como algo negativo.

É difícil dizer isso, mas, se um povo decide por um lado, o que podemos fazer para mudar essa realidade? Impor mais uma vez nosso modelo cultural ao outro, ao africano? Vale a pena lembrar que, essa imposição, essa intromissão dos valores europeus naquele continente é sem dúvida o grande responsável pela realidade daquelas pessoas que sofrem as mazelas da pobreza, guerra e medo.

Talvez, se as nações mais poderosas não tivessem esse ímpeto de sempre se intrometerem nas questões externas, no andamento de um outro Estado, as coisas fossem muito diferentes. Se o cristianismo europeu não tivesse alcançado Uganda, talvez ser homossexual fosse algo natural para a população daquele país.

Todo povo e país é soberano, pelo menos é assim que eu vejo o mundo. Nós como brasileiro temos essa ideia embutida dentro de nós, porém em algum canto escuro da nossa mente, pois se tratando de nossa Amazônia por exemplo, não hesitamos em dizer "A floresta é nosso, assunto nacional, não se intrometam". Porém, quando somos nós que apontamos os "defeitos" nos outros, tudo fica muito simples.

Não venho aqui dizer que sou a favor de pena de morte aos homossexuais em Uganda, muito menos defendo a mutilação das meninas - pobres meninas - que farão sexo apenas para procriação.

É difícil ser neutro nessas situações, eu mesmo não sou. Pois se pudesse mudaria essa realidade na qual as garotas e os gays vivem. Porém, o que faria? Provavelmente tentaria encaixá-los na realidade do Brasil, um lugar que para mim é bom, me faz sentir bem.

Essa é minha realidade. Minha verdade. Se um europeu a criticar e tentar me tirar do meu mundo, não ficarei contente com ele. Pois não quero uma visão de mundo diferente da que eu tenho, pois a vejo como a melhor. E estou feliz inserido nela.

Então, antes de pensar em mudar a realidade de um outro povo, devemos primeiro refletir, e nos questionar se aquele povo pretende a mudança. Ou estarão eles satisfeitos com a vida que levam?

Hoje ouvi uma frase muito interessante: "Para que se construa os direitos universais, será necessário destruir as culturas locais". E é isso que estamos fazendo. A humanidade sempre o fez. É só olhar a nossa volta e percebemos isso. Éramos uma terra de pagãos, hoje somos um bom país cristão, do jeito que os jesuítas desejavam. A verdade que vieram aqui plantar.

Encerro com um provérbio que curiosamente acabo de receber via orkut de um amigo:

"A verdade é um espelho que caiu das mãos de Deus e se quebrou. Cada um recolhe o pedaço e diz que toda a verdade está naquele caco."

Ditado Iraniano

Não devemos buscar conceitos universais de cultura, sociedade e comportamento, pois isso nada fará além de destruir povos e engolir costumes seculares, por vezes milenares. Não devemos buscar verdades eternas construídas com base nas diferenças, e nos conflitos entre povos, mas sim assimilar o que de melhor há em cada comportamento, e assim cultivar as diferenças, que é uma das melhores coisas que temos.

Um comentário: